Furar a bolha ou cair numa armadilha? Sobre Haddad no Manhattan Connection e Glenn no Pânico

Comunicação
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Vivemos em um país com praticamente nenhuma pluralidade e diversidade na radiodifusão. O modelo privado comercial - que tomou conta da prestação deste serviço público indispensável para a circulação de informações na sociedade - criou um ambiente de monopólio, no qual as emissoras são propriedades de um pequeno leque de agentes econômicos cujas posições editoriais revelam um discurso único sobre diferentes temas políticos, com viés neoliberal e de centro/direita.

Por Renata Mielli e Haroldo Ceravolo Sereza

Quando olhamos para os programas jornalísticos destas emissoras, verificamos que há uma parcela deles que não merece o título de “jornalísticos”. São espaços que reúnem a elite dos articulistas/apresentadores mais grosseiros, indivíduos que estão à serviço do quanto pior melhor, servos da extrema direita que destilam ódio e promovem a violência, que não estão amparados pela liberdade de expressão e nem pelas poucas regras em vigor para o funcionamento e a programação de canais de rádio e televisão – que são concessões públicas. 

Nesse rol, podemos citar o Manhattan Connection, o Pânico, os programas policialescos como Cidade Alerta e outros deste calibre. Tratam-se de espaços que violam direitos humanos de forma sistemática. 

Neste sentido, é preciso questionar: o que leva pessoas consideradas progressistas, como o jornalista Glenn Greenwald ou políticos como Fernando Haddad, a aceitarem participar desse tipo de programa? 

Glenn aceitou integrar a mesa do programa Pânico, na rádio Jovem Pan, em setembro de 2019, e foi atacado não apenas verbalmente, mas também fisicamente, por Augusto Nunes, um desses cânones da extrema direita agressiva que há muito tempo rasgou qualquer compromisso com o jornalismo. 

As cenas grotescas chocaram muitos. Mas aquelas imagens, cirurgicamente editadas pelos gabinetes de ódio, serviram para alimentar a horda de bolsonaristas e fascistas através do WhatsApp e incitar a violência física e moral contra jornalistas, alimentar homofobia e, assim, tentar diminuir a relevância da Vaza-Jato, ou seja, das conversas eletrônicas dos integrantes da Lava-Jato que o Intercept, naquele momento, tornava públicas. Não é à toa que cresce exponencialmente a violência contra jornalistas e comunicadores no Brasil: Augusto Nunes serviu de exemplo para coisa muito pior por aí. 

Haddad, na última quarta-feira (10/02), participou do Manhattan Connection, exibido pela TV Cultura, para conversar com um dos mais virulentos porta-vozes da grosseria de extrema direita na televisão, Diogo Mainardi. Mainardi há alguns anos tem se notabilizado pela coleção de xingamentos que derrama quando menciona qualquer político que não esteja sentado à direita de Donald Trump.

Não deu outra. Mainardi chamou Haddad de "poste de ladrão" e o programa, longe de um debate de ideias, se transformou numa sucessão de grosserias e armadilhas contra o dirigente do PT. Os memes não tardaram e não se prestam só ao momento de hoje: serão exaustivamente retomados pelos próximos meses, com o objetivo simultâneo de atacar Haddad e Lula, diante de uma aparente tendência de redução da rejeição ao Partido dos Trabalhadores. 

Registre-se que Haddad se saiu melhor que Glenn, quando se expôs a ser alvo de Augusto Nunes na Jovem Pan. Mas Haddad não deveria estar lá. Assim como Glenn também não deveria ter ido ao Pânico. Isso não é furar a bolha, não é debater publicamente: é se sujeitar à violência verbal de gente desqualificada e em baixa, que sobrevive profissionalmente gastando os restos de um prestígio anterior, destruído no afã de alimentar correntes de difamação e ódio. 

É certo que, por vivermos um cenário de discurso único na mídia hegemônica, encontrar frestas que permitam dar expressão a visões diferentes das anunciadas exaustivamente por estes grandes conglomerados é fundamental. É um problema real, e, portanto, legítima a pergunta que o expressa: devemos ocupar todos os espaços? 

Será? 

É preciso refletir sobre quais espaços valem ou não a pena serem ocupados e em que situações. O Manhattan Connection é hoje um programa decadente e sem sentido na sociedade contemporânea. Foi salvo do fim com dinheiro público, por uma emissora que tem abrigado muita gente que queimou sua credibilidade. 

Ao invés de furar a nossa bolha e falar para mais gente, o que essa ingenuidade garante é engordar bolhas que estão murchando e dar claque para a extrema direita e para os gabinetes do ódio. 

Quando Glenn e Haddad aceitam participar de programas que são show de pugilato, tudo o que fazem é dar sobrevida e publicidade a programas que violam direitos fundamentais. 

Nomes como Mainardi, Augusto Nunes, Datena e assemelhados representam o que pior existe na radiodifusão brasileira. São militantes da desumanização e do rebaixamento do debate democrático. Não são debatedores que mereçam ser legitimados, pelo contrário, o que esperamos de Glenn e Haddad é a denúncia permanente deste método de destruição da democracia.

(*) Renata Mieli é Jornalista, secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, estudante do Programa de Pós Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP. Haroldo Ceravolo Sereza é jornalista e editor do site Opera Mundi.